31/01/2016

HOMEM COM PÉROLAS DE ORVALHO






































HOMEM COM PÉROLAS DE ORVALHO
 
 
 
 
Eu acordo as madrugadas orvalhadas de pérolas e na loucura
 
da embriaguez da luz cristalina, tomo-a como vinho doce e desteço
 
 as noites mais escuras - palavras e raízes talhadas no meu rosto

e nas minhas mãos, a golpes de espadas de vidro e todo o universo

se abre em mim e é capa que me cobre e me protege e eu canto,

para chamar os pássaros, o azul do firmamento, o alimento, a frescura

dos rios e os caminhos orlados de amoras silvestres e rosmaninho.

E não quero mais nada para mim, nem a piedade de homens bondosos

tornados deuses, nem todo o oiro que cobre os ossos dos inocentes

atirados ao fundo dos poços sagrados.

Sou apenas um homem com pérolas de orvalho, pastor peregrino

nas várzeas verdes e nos vales em flor e tudo o que possuo a mim  me

basta - o meu rebanho e o meu cajado, com que derrubo as taças

da ira e do fel, a serem o mel do chamamento do meu inocente

cordeiro aos altares da degolação.




Fernando Pedrosa
 
 
 
 
 
 










Fotografia de Fernando Pedrosa







 

19/01/2016















 
 
 
 
 
 
 




















As  Mulheres Que Habitam As Serras


 
 
 
Eu nunca saberei caminhar sobre um chão frio, rude e em brechas,
 
como caminham as mulheres destemidas das serras azuis nuas e frias,
 
com os calcanhares em lavaredas feridos, a serem enxadas e charruas.

Eu habito as estradas e as ruas lisas, pejadas de pálpebras cerradas

e bocas caladas na dor e no desamor que há nas papoilas invisíveis.

Eu nunca saberei desvendar o olhar esfíngico das mulheres que sabem

onde guardar o segredo do tempo e da lonjura do mar, que ao enterrarem

as mãos nas entranhas da terra, trazem a descoberto peixes azuis, tripas

e vísceras, corações de barro tão puro como o oiro.

Eu habito as casas de vidro e a minha vida corre estrangulada entre fios

e ponteiros de relógios, a espetarem-se-me nos olhos como facas ao meu destino.

As mulheres que habitam as serras,  pelas encostas, carregam nos braços os filhos,

os mortos, as árvores, os frutos, os bichos e sabem desviar-se dos precipícios,

das armadilhas e dos venenos e vão pelos carreiros alumiados dos mortos antigos.

Eu nunca saberei como chegar ao cume das serras, como sabem as mulheres

que as habitam, receio não saber como se caminha pelos carreiros tortos da vida

e não tenha eu a dignidade de alumiado ser pela Luz de uma morte antiga.

As mulheres que habitam as serras azuis nuas e frias, estão mais perto da lua,

do sol, do mar, dos mortos, da vida.




Fernando Pedrosa
 
 

 
























Fotografia de Fernando Pedrosa













 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

05/01/2016

ONDULAÇÕES

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ONDULAÇÕES
 
 
 
Que  venham as ventanias e as ondas bravias de Janeiro
Abrir-me caminhos de sal e céus de Abril em meu peito
Como cavalos de espuma e maresia em fúrias loucas
E morra eu um instante sobre meu corpo sonhando-me
 
 
Fernando Pedrosa
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fotografia de Fernando Pedrosa