29/03/2012

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PORTUGAL, PORQUE SIM
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Podia chamar-te pai, asa de fogo, planta agreste,
alpendre aberto ao feitiço das estrelas.
Podia aninhar-me no casulo do teu abraço
e adormecer com o mistério que alimenta as tuas lendas.
Podia recordar os nomes dos rios e das serras
e das linhas secundárias que cruzam vales e montanhas.
Podia perguntar pelos teus filhos
esquecidos há muito nas errâncias deste mundo.
Podia querer interpretar a tua melancolia
como um sinal de saudade da grandeza perdida.
Podia reabrir, em página incerta, os teus livros raros,
os dos poetas que engrandeceram a título póstumo,
como os heróis, em pátria de carpideiras
e de oficiantes da mais daninha e estranhada inveja.
Podia entrar nas tuas casinhas baixas,
as de granito e as pintadas com a mansa alvura da cal.
Podia afagar-te as barbas brancas
que se tornaram salgadas no fragor das batalhas.
Podia desenterrar os teus mortos
só para saber que sonhos traídos os levaram à cova.
Podia desmascarar os vendilhões que falam em teu nome
como se falassem de negócios reles numa banca de feira.
Podia perguntar-te porque atravessas cabisbaixo
os largos das aldeias desertas e queres saber
o paradeiro dos teus filhos silenciosos e distantes,
daqueles que tomaram outros rumos
com a dor da tua ausência a ferir-lhes o peito.
Podia deitar-me ao teu colo
como se me deitasse na cama de urze
à beira dos promontórios que vigiam as fúrias do mar.
Podia chorar no teu ombro cansado todas as desditas
que foste obrigado a consentir e a calar.
Podia contar aos meus netos os feitos
do Gama, de Magalhães e de Cabral
e desenhar um mapa de glórias navegantes
só para eles saberem que um dia
usaste a efémera coroa de algas dos reinos do mar.
Podia pedir-te e dar-te contas
de tudo aquilo que sonhámos e não alcançámos.
Podia fazer isso e muito mais,
mas prefiro vislumbrar na tristeza dos teus olhos
a ternura com que segues o rasto das aves e das estrelas
e depois abraçar-te e dizer-te: meu querido Portugal,
serás, até ao fim,  a luz que não se apaga nem se rende
quando sonhamos com tudo aquilo que ainda te falta ser.
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José Jorge Letria
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Fts: Walter
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