12/09/2010

O LAMENTO DA TERRA

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O LAMENTO DA TERRA
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Um dia, quando dissermos: «Era o tempo do sol,
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Recordem-se, alumiava o mais pequeno ramo
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E tanto a mulher idosa como a rapariga admirada,
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Sabia dar a sua cor às coisas mal nelas pousava.
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Seguia o cavalo corredor e parava com ele.
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Era o tempo inesquecível em que estávamos sobre a Terra,
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Em que fazia barulho deixar cair qualquer coisa,
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Olhávamos em volta com os nossos olhos versados,
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Os nossos ouvidos entendiam todas as subtilezas do ar,
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E quando o passo do amigo aí vinha, logo o sabíamos;
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Apanhávamos tanto uma flor como uma pedra polida,
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O tempo em que não podíamos agarrar o fumo,
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Ah! só isso as nossas mãos apanhariam agora.»
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Jules Supervielle, in "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro"


 
Trad: Filipe Jarro

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fts: walter
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10/09/2010

era manhã e o tempo entristecia

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era manhã e o tempo entristecia na agitação de uma cidade desmedida
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ninguém dava por isso e quem dava não sentia
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as canções dos torreões tocata e fuga em direcção aos céus
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cavalos alados de outras Tróias
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carregando no seu ventre inocência fogo trevas e luz de uma mal escrita
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história
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e se em Setembro todos fomos iguais americanos e espartanos
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perguntamos agora se por um acaso
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seremos hoje tão mais humanos
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Fts:walter
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05/09/2010

Pinhal do rei

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Pinhal do rei
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Catedral verde e sussurante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do
mar,
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ditoso o Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim:
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim....
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Ai, flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
rei dom Denis, bom poeta e mau marido
lá vem as velidas bailar e cantar.
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Encantado jardim da minha infância
aonde a minh' alma aprendeu
a música do Longe e o ritmo da Distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico orgão cujo o além se esfuma
no além do Oceano, e aonde a maresia
ameiga e dissolve em bruma
e em penumbras de nave, a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
Teus velhos troncos de saudosos fremem...
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Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
São as Caravelas, teu corpo cortado,
É do verde pino no mar a boiar.
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Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossa caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhes deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a Terra e olhando os novos
astros,
oh gótico Pinhal navegador
em naus erguida levando
tua alma em flor na ponta alta dos
mastros!...
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Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
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que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do pinhal florido
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar.
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Na sussurrante e verde catedral
ouço rezar a alma de Portugal;
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos,
sonâmbulos de surda ansiedade
no roxo da tardinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
viúva dos seus bens
e pálida de amor,
arribada de todo os aléns
de este mundo de dor:
ela aí vem, sózinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espelha e se esconde,
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar
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Do notabilíssimo poeta Leiriense
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Afonso Lopes Vieira
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Afonso Lopes Vieira - 1878-1946
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Fts: Walter
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