24/01/2010

A história de uma laranjeira...

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Era um menino franzino, traquinas, às vezes meigo, que na aldeia onde vivia, tinha em seu quintal o mundo inteiro: um profundo mar nas águas de um poço; nas árvores de fruto uma floresta de sonho... e por ali se ia perdendo em prodigiosas aventuras e devaneios...
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Certo dia, acerca-se de uma ideia: fazer um arraial com bandeirinhas coloridas de papel de seda.
Se melhor o pensou, melhor o executou, e decidido, assalta o seu próprio mealheiro... para tão arrojado e ambicioso projecto era preciso dinheiro.
Já munido do material, e na cabeça a despesa a atormentar-lhe o juízo, deu inicio à feitura do arraial: desenrola o cordel de sisal, onde as bandeirinhas seriam penduradas. Ata-o à primeira árvore, aquela do fundo que dava sombra à esquina do seu mundo, depois liga à segunda, um pessegueiro moço tão franzino quanto ele, depois à terceira... até que à última chegou. Repara então, que um bom pedaço de cordel lhe havia sobrado e pensou: «falta-me uma árvore... é um desperdício, ter que atar o resto a uma já enfeitada...».
Seu pai que o observava escondido, aproximando-se dele, e com um sorriso maroto, pergunta: «queres uma laranjeira? Aqui ainda não tens nenhuma...!».
No dia seguinte, os dois cavaram um buraco e ali plantaram um pé de laranjeira, ajeitaram a terra ao fino tronco, regaram com água do poço, e depois foi só atar o restante cordel delicadamente à volta da sua cintura, escolhendo a parte mais forte, a que ficava junto à terra. Ficaram as bandeirinhas na última etapa a descer, como se a festa viesse do céu...
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Os anos foram passando, a laranjeira foi crescendo, o menino se fez homem... mas estranhamente, a laranjeira teimava em não produzir laranjas que se vissem. Eram poucas, muito poucas, pequenas como bugalhos e azedas como fel. Interrogavam-se todos, de que mal, esta padecia?
Cansada desta situação, por laranjas não ver, a mãe do menino, (agora já homem), que era mulher de muitas ganas e batalhas travadas, arma-se de uma vara comprida e zás... açoita a pobrezinha, quebrando-lhe boa parte dos seus galhos, deixando-a nua de folhas... triste que metia dó.
O seu filho que a tudo assistia, incrédulo e chocado, lhe pergunta: «mãe... porque o faz?» - responde-lhe ela - ainda arfando pelo cansaço do bater: «contra a preguiça, não há nada como umas boas pauladas, no próximo vais ver... vai dar laranjas pelos anos que não deu...!».
E assim foi... tantas e grandes eram as laranjas, tão doces como mel... e foram muitos os anos a vergar pelo peso da produção.
Nas noites de luar, era bonito ficar ali pertinho dela, inalando o seu perfume, olhando o brilho dourado dos seus frutos...
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Hoje, a laranjeira já não existe, e por ter sido triste o seu fim, aqui já não tem caber, termina assim esta história, onde eu era o menino... e se alguma lição houver a reter, diz-me tu meu amigo, que a acabas de ler...!
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texto e fotos: Walter
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Ao meu pai, plantador de laranjais, em quintal mais amplo, para regalo dos anjos - (1934-2005)
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